FRAGMENTAÇÕES






I
No folhear das memórias

nunca saberemos em que noite

sonhámos o mesmo sonho 

numa concha de corpos desnudados

e de aromas pressentidos
com a imprecisão dos sabores que
ficam apenas no palato
no entanto é sabido que há um nome
gravado na dureza coralífera
da pele que nos reveste a alma
talvez apenas um poema calado
uma sala abandonada
em que as palavras esvoaçam
e inventam pássaros insensatos
como se fosse possível
saber um nome e permanecer
na concha azul de amar
sem dizer nada...

II
no entanto soletro as letras

uma a uma e sabem-me a sal

o sal puro das estrelas

a cinza azul dos astros

a caliça das paredes desoladas
de cada lugar desabitado
onde gritam vozes nos recantos 
palavras reclinadas loucas 
insensatas desfocadas
porque nomear o sonho
é uma ciência inexacta...

III
e depois

as manhãs são como os vidros

não refletem todas as formas dos

móveis dispostos no olhar

mesmo que as cadeiras nos esperem
moldando os corpos para ficar 
num balanço aleatório de marés
há lugares vazios nos canapés 
e esta dor deixou um trilho
escavado nas margens do olhar
que hoje me vês

IV
moro na intermitência de um farol

desabitado desde que te vi

acendo e apago o sonho

conforme a navegação do teu olhar

os vidros refletem sombras
e contam histórias de naufrágios
a passagem de anjos e demónios
nos navios por afundar
mas no silêncio cintilante
há murmúrios que deves saber ouvir
dizem-te os sulcos que as mãos 
escavam no destino
para que a voz se cubra de tinta fresca
e as paredes ganhem luz 
como dantes nas manhãs
que irrompiam pelo olhar
de súbito 
sem se esperar

(Blog catedralweblog)

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